O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem se posicionado com firmeza contra militares, inclusive do Alto Comando das Forças Armadas ou da chefia de ministérios, suspeitos de conivência com os atos terroristas de caráter golpista que explodiram em Brasília e causaram repercussão preocupante em todo o mundo. Na entrevista que concedeu ontem à jornalista Natureza Nery para a Globonews, cujos trechos foram reproduzidos no “Jornal Nacional”, o presidente se disse disposto a dialogar com os ministros militares mas foi enfático ao preconizar a despolitização das Forças Armadas, que, na sua opinião, devem cumprir o papel constitucional que lhes é reservado, ou seja, o de defesa do Estado e da legalidade. Lula patenteou que haverá punições, doa a quem doer, sem complacência com os que atentaram contra a legalidade democrática.

Ele confessou que teve a impressão de estar sofrendo um golpe de Estado quando foi inteirado, em São Paulo, para onde tinha ido cumprir agenda administrativa, da virulência dos atos terroristas em Brasília, com frouxidão da autoridade por parte de chefes militares e forças de segurança. A impressão foi a de que os baderneiros que depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal obedeciam à voz de comando do ex-presidente Jair Bolsonaro que, dos Estados Unidos, por controle remoto, acompanhava todo o pandemônio instaurado na Capital da República. Chegou a essa conclusão ao avaliar os inúmeros discursos de Bolsonaro conclamando apoiadores fanáticos a fecharem instituições e, de certa forma, a rasgarem a Constituição, fazendo picadinho da Carta Maior, como danificaram, com fúria de vândalos, obras de arte e peças históricas do patrimônio cultural e imaterial brasileiro.

Embora alguns analistas acreditem que o presidente Lula contribui para tensionar em muito o ambiente ao generalizar suas críticas aos militares, a verdade é que junto à maioria da opinião pública o chefe de Governo é cobrado justamente para ser enérgico e não leniente, punindo os que estão no próprio topo da hierarquia do Alto Comando das Forças Armadas. Na sua entrevista, o mandatário foi claro e objetivo ao assegurar que os suspeitos de envolvimento em atos terroristas terão assegurado o mais amplo direito de defesa, mas que no reverso da medalha estão sujeitos à responsabilização perante a Lei por eventual cumplicidade com os atos terroristas que impactaram o mundo. As investigações já avançaram bastante e com certeza irão prosseguir, diante de conexões que ainda não foram esclarecidas e, sobretudo, dos erros dos setores de inteligência do governo federal, que não cumpriram a sua missão de alertar o presidente da República para a iminência de um cenário de terror. Quando deixou Brasília, Lula tinha informações sobre relativa tranquilidade na Capital Federal, sem indicações de qualquer orquestração preparatória da barbárie que foi desencadeada.

Em suma, o presidente da República enfatizou que: 1) o serviço de inteligência contra os ataques golpistas não existiu; 2) os militares ligados aos atos serão punidos, “não importa a patente”; 3) ter tido a impressão de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sabia de tudo e de que a invasão “era o começo de um golpe”; 4) ser contra a criação de uma CPI para investigar as invasões, por entender que, ao invés de contribuir positivamente, a Comissão Parlamentar de Inquérito pode gerar confusão. Em outros pontos da sua entrevista, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ter compromisso com o desmatamento zero na Amazônia até 2030 e que para isso precisa da ajuda dos militares e da PF, opinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro não é carta fora do baralho na eleição de 2026 e considerou que a alegada autonomia do Banco Central “é bobagem” e a atual meta de inflação é um “exagero”.

O presidente da República falou o que deveria, realmente, ter falado, até por causa da sua responsabilidade como supremo comandante das Forças Armadas, a quem os militares devem bater continência. O que Lula está enfatizando é que os militares que desejam fazer política deverão tirar a farda e renunciar ao cargo. “As pessoas estão aí para cumprir suas funções e não para fazer política. Quem quiser fazer política, tira a farda, renuncia ao cargo, cria um partido político e vai fazer política”, resumiu. Só lembrando: em 18 dias de governo, o líder petista já dispensou mais de cem militares lotados em diferentes órgãos ligados à Presidência da República e tem procurado fazer uma limpeza no GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, que era dominado por remanescentes bolsonaristas. Lula coloca-se como um estadista que encara de frente a questão militar, habitualmente delicada nestes trópicos. Parece inspirar-se no ex-presidente Juscelino Kubitscheck, que debelou rebeliões militares de natureza golpista e, com tal comportamento, preservou sua permanência no poder até o último dia do mandato, abortando crises fabricadas por militares golpistas e civis idem, ou seja, as “vivandeiras de quarteis” a que aludia o ex-presidente marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.

 
Nonato Guedes - Analista Político