Enquanto o mundo tem flexibilizado cada vez mais os protocolos de prevenção da Covid, muito por conta da queda no número de casos, a China voltou a enfrentar lockdowns.
Xangai, uma megacidade com 25 milhões de habitantes, resolveu adotar regras rigorosas de isolamento, e os alto-falantes instalados num drone quebram o silêncio na maior cidade chinesa.
“A todos do condomínio: atenção ao período de isolamento. Obedeçam rigorosamente a todos os protocolos do governo municipal. Controlem seu desejo de liberdade. Não abram portas e janelas. Há risco de contaminação.”
Uma mulher anuncia num megafone:
“A partir de hoje à noite, os casais devem dormir em camas separadas. E também comer em locais separados, sem contato físico. Esperamos que todos se esforcem para cumprir as determinações. Obrigada pela atenção.”
Para sair de casa, é preciso uma autorização especial. Algumas pessoas precisam de remédios especiais ou outras coisas.
“Eu consegui sair duas vezes para pegar remédio numa clínica que é perto. Mesmo assim, precisei de uma autorização especial”, disse o brasileiro Rodrigo Zeidan, que leciona economia no campus de Xangai da Universidade de Nova York.
Chefe do escritório do Governo de São Paulo em Xangai, José Mario Antunes também vive agora situações que o restante do mundo passou há dois anos.
“A gente está hoje no auge da crise. Eu não posso sair nem da porta. Não posso sair para o condomínio”, contou Antunes.
Zeidan revela que ele e a família são “testados basicamente todo dia. Teve um dia que nós fomos testados duas vezes.” Por causa dessa testagem intensiva, praticamente todos os casos são detectados. Xangai teve, na média desta semana, cerca de 17 mil por dia. Não é muito, especialmente para uma cidade tão imensa. Mas a política chinesa de Covid zero é implacável.
“O problema é que os não vacinados estão concentrados entre as pessoas mais velhas”, lembra Zeidan. Segundo o próprio governo chinês, 48% da população acima de 70 anos têm o esquema completo, com três doses. Para os acima de 80 anos, o número é bem mais baixo: só 20% com três doses.
Para a variante ômicron, que está provocando o surto em Xangai, as três doses são essenciais. E as vacinas usadas na china, CoronaVac e Sinopharm, as duas de vírus inativado, têm uma eficácia muito mais baixa nos idosos quando comparadas aos outros tipos de vacinas.
“A China já deveria ter implementado uma política de dose de reforço com uma outra vacina que não a CoronaVac”, diz o infectologista Alberto Chebabo, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Por exemplo, vacinas como Jansen, AstraZeneca, Pfizer e Moderna, que funcionam por mecanismos diferentes das vacinas de vírus inativado.
Em Xangai, as poucas pessoas que conseguem sair de casa, como o professor Zeidan, encontram um cenário de avenidas desertas.
“Fiz um vídeo de mais de um minuto no meio de uma avenida que seria uma Avenida Paulista. Poderia ter deitado no chão. Nenhum carro”, contou Zeidan.
Nem animais domésticos podem sair. Nas redes sociais chinesas, causou revolta o vídeo de um agente do governo espancando um cachorro que foi separado do tutor, que estava com Covid.
Também traz indignação a falta de comida. Em certos casos, o governo fornece cestas básicas.
“Eu recebo em casa, do governo chinês, mantimentos básicos dia sim, dia não. Eles mandam quatro laranjas. Um pouco de vegetais, arroz”, disse Antunes.
Outra situação difícil é a de famílias em que uma criança pega Covid. O governo não permite isolamento em casa. Todos com testes positivos são levados para centros de quarentena, e isso pode separar os pais dos filhos, muitas vezes, recém-nascidos.
Com a repercussão negativa por separar os pais dos filhos, o governo chinês aliviou as regras. Um dois pais, mesmo negativo, pode acompanhar o filho para esses lugares. Foi a única medida de relaxamento. E a vigilância continua.
Não existe previsão para o fim do lockdown em Xangai. Na cidade deserta, os moradores vivem à espera das ordens, que chegam por drones, por megafone ou por um cachorro-robô:
“Ventilem os ambientes. É a forma científica de evitar a propagação. Saiam de forma educada. Usem máscara, lavem as mãos e meçam a temperatura.”
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