Abstraindo a discussão maniqueísta sobre se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é culpado ou inocente das acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, até porque esse enredo ficou para trás com a guinada do Supremo Tribunal Federal pela soltura de réus condenados em segunda instância (caso dele), convém levar em conta que Da Silva sobrevive incólume nas hostes do PT e em frações da esquerda graças ao sortilégio de que ele lançou mão, ocupando todos os espaços de modo a que ninguém lhe fizesse sombra. Como parte do maquiavelismo de algibeira que se pôs a executar, o líder petista jamais permitiu que sua autoridade fosse questionada ao longo da trajetória.
Uma reportagem da revista “Veja”, datada de abril de 2018, afiançava que o principal responsável pela ausência de lideranças à altura de Lula é ele próprio. Espanou antigos companheiros e afundou seus projetos políticos, como se deu com Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque e Tarso Genro, teoricamente os que mais sofreram. Também “penou” nas mãos de Lula o ex-ministro eex-condestável petista José Dirceu, que tinha quase certeza de vir a suceder a Lula como candidato a presidente da República e ficou de queixo caído ao constatar que o nome “in pectoris” já estava ungido há algum tempo: o de Dilma Rousseff, que, além de ser mulher, seria facilmente manipulável pelo pajé petista. Dirceu engoliu em seco porque deseja manter a fleugma mesmo em momentos difíceis. E foi de olho nessa tática que ele não fez acordos de colaboração ou delação para conseguir abrandamento da pena. Ou seja, não carrega a pecha de “traidor” ou de “quinta-coluna”, como são chamados ex-czares do petismo como Antônio Palocci, “O Italianinho”. Esse, o PT não perdoa.
Quando foi confinado a uma sala da superintendência da Polícia Federal, Lula passou a despachar com uma flexibilidade impressionante com próceres de confiança do PT, tornando-os pombos-correios de recados à militância ou de advertências a “companheiros” que poderiam não segurar o “tranco” e acabar dando com a língua nos dentes. A caminho da, digamos, prisão, o ex-dirigente cuidou de avisar ao seu séquito que na PF de Curitiba iria se dedicar ao que sabe fazer: articular e inflar as massas. Sabe-se de uma outra condição imposta por Lula e repassada à “companheirada”: uma vez preso, esperaria receber lideranças internacionais. Ah, sim, e não queria nem ouvir falar em regime semiaberto, uma espécie de sacrilégio para ele. Evidente que, como nem tudo foi combinado com os “russos” (como dizia Mané Garrincha), Lula teve que providenciar à undécima hora, em 2018, uma alternativa de emergência para dar combate a Jair Bolsonaro, que já posava de outsider político. Foi quando o “estalo de Vieira” soprou-lhe o nome de Fernando Haddad, que se empenhou o quanto pôde em posar de “bom moço” na campanha, sonegando ao distinto público a informação de que fora indiciado pela PF sob suspeita de ter recebido 2,6 milhões de reais em caixa dois da empreiteira UTC nas eleições de 2012.
Lula, que gosta de se referir a si próprio com um viés personalista, só admitiria ver o PT engrossando o palanque de outro candidato de esquerda se tivesse desabado sobre a desbotada estrela vermelha o “Armagedon”. Não foi propriamente isso que aconteceu, o que contribuiu para que, de forma tranquila, Da Silva empurrasse goela abaixo da militância petista a candidatura de Haddad. Diga-se de passagem que Haddad, anabolizado pelo pajé de dentro da sala da PF em Curitiba, logrou alcançar performance invejável para os recalcitrantes que duvidavam do seu poder de fogo e densidade eleitoral. Saiu do pleito com 45 milhões de votos no bestunto, uma consagração para o desconhecido Haddad, que em áreas do Nordeste era conhecido por eleitores como “Andrade”. Não levou a taça para casa, mas fez um forte estrago no arraial bolsonarista, que agitou a bandeira ideológica e contra a corrupção.
Labora contra o bom senso qualquer tentativa de negar a Luiz Inácio Lula da Silva a habilidade de ser um líder pragmático – e revezes eventualmente enfrentados sob sua direção prosperaram devido às conjunturas madrastas vivenciadas pelo próprio PT no bojo da correlação de forças políticas tradicionais do país. Mas ele é um animal político, sempre pareceu talhado para tanto e montou um partido à sua imagem e semelhança, nos moldes dos regimes administrados por caudilhos, fossem de esquerda ou de direita. Ninguém ignora que mesmo com Lula solto, não será fácil para o PT ressurgir das cinzas como a Fênix. O partido vai ter que cortar um dobrado para voltar a ocupar a cadeira do Palácio do Planalto. No frigir dos ovos, Lula criou uma encruzilhada para ele próprio. É o que veremos, na sequência dos rituais que são produzidos em Brasília a poder de muita pajelança.
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Da Redação com Roberto Noticia - Jornalista - DRT 4511/88 e Nonato Guedes