A visita do presidente Jair Bolsonaro, ontem, ao Sertão da Paraíba, não provocou correria de políticos interessados em tirar proveito nas urnas, embora esteja se aproximando a virada para o ano eleitoral propriamente dito em que o mandatário concorrerá à reeleição e outros disputarão cargos executivos e legislativos em diferentes pontos do território nacional. A impressão que ficou foi a de que, apesar de ter a caneta nas mãos, o presidente não é encarado como “o grande eleitor”, capaz de transferir votos, fenômeno que, por exemplo, funcionou para favorecer candidatos que se elegeram surfando no prestígio do “capitão”. Por outro lado, notou-se que o mandatário já não empolga parcelas do eleitorado, exceto a quota residual de fanáticos que lhe juram fidelidade ou que não têm espaço de aceitação em hostes políticas como as que cercam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.
Houve, é claro, tentativas e ensaios de mobilização, ecoando até mesmo, de forma recorrente, slogans do passado recente, mais precisamente da campanha eleitoral de 2018, em que Bolsonaro logrou vitoriar sobre o candidato do PT, Fernando Haddad, que substituiu Lula, então recolhido à superintendência da Polícia Federal em Curitiba. A lembrança da figura do “mito” que foi agitada como estratégia de impacto há três anos chegou a ser vagamente evocada, sem, contudo, o frenesi de antes, a idolatria que lá atrás deixava eleitores “transidos” ou “hipnotizados” pela promessa de novidade no cenário político brasileiro. Que não se culpe as medidas de isolamento social como responsáveis pela frieza na recepção ao presidente da República – hoje, elas estão bastante flexibilizadas, à medida que avança a campanha de vacinação contra a covid-19, por cima de pau e pedra, ou seja, da postura negacionista do presidente e da demora que indiscutivelmente foi anotada num calendário que já poderia estar se concluindo no Brasil.
O desgaste do governo Bolsonaro é visível – e pesquisas periodicamente divulgadas por institutos especializados comprovam que a desaprovação popular é expressiva. Já se falou mesmo em derretimento da imagem do presidente e do governo que ele comanda – ou “desgoverno”, nas palavras do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que luta para ser indicado candidato do partido ao Palácio do Planalto em 2022. Além dos problemas de gerência que Bolsonaro enfrenta, evidenciando uma dificuldade concreta para saber administrar prioridades, o presidente é, em si mesmo, fonte de crise permanente, de tensão constante, alimentando conflitos com autoridades e representantes de poderes constituídos. Esse estilo beligerante é da sua natureza e, por mais que passe por retoques em certos momentos difíceis, acaba dando as caras novamente. Na Paraíba, o exemplo palpável foi o ataque do mandatário a governadores do chamado Consório Nordeste, que, segundo ele, tentaram se apropriar da bandeira da vacinação embora não tenham logrado êxito efetivo na aquisição de imunizantes.
Bolsonaro, aliás, revela-se corajoso ao programar um roteiro de visitas a Estados do Nordeste, região que é uma espécie de campo minado para o seu governo e para ele próprio, tanto assim que são notórias as dificuldades de interlocução entre o mandatário e gestores do semiárido. Vale lembrar que houve uma oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal tentou mediar um debate entre o presidente e governadores – não só do Nordeste, mas a resposta imediata de Bolsonaro foi negativa, dando a entender que não tem o que dialogar com eles, embora representem contingentes populacionais importantes do país. O presidente só parece à vontade entre os seus, isto é, entre os que considera aliados. Não deixa transparecer que tenha sido treinado para conviver com os contrários, exercício que é um dos pilares do regime democrático. Em suma: Bolsonaro não faz segredo do pouco apreço pela democracia, sendo, na verdade, um admirador de regimes de força e de instrumentos de exceção, como o Ato Institucional número cinco.
Como pode um País gigantesco como o Brasil sobreviver com o presidente da República brigado com os chefes de outros Poderes, atritado com representantes de instituições e obcecado por fantasmas de conspiração para derrubá-lo do poder? Ninguém, em sã consciência, tem equilíbrio ou serenidade para superar desafios perseguindo a trilha do conflito – e a crendice popular reforça o jargão de que “Deus é brasileiro” para tentar explicar como não se chegou ao fundo do poço numa conjuntura extremamente adversa, permanentemente tensa. Quanto à ausência de políticos do palanque presidencial, talvez decorra do sentimento de arrependimento que tomou conta de muitos dos que formaram com Jair Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Pensaram uma coisa dele e do seu governo e constataram que, na prática, são inteiramente diferentes do que aparentavam – ele e o governo que enfeixa nas mãos.
Abstraindo a análise sobre o perfil peculiar e desagregador de Jair Bolsonaro, reafirmado, ontem, na visita que fez ao interior da Paraíba, cabe ressaltar a defesa entusiástica do seu governo feita pelo ministro da Saúde, o cardiologista conterrâneo Marcelo Queiroga, que não poupou nem os governadores da região ao tratar do capítulo da vacinação contra a Covid no país. Nos meios políticos locais, restou o incremento de especulações sobre suposto interesse de Marcelo Queiroga em entrar na política no próximo ano, concorrendo a um mandato no Estado de origem. Ele já foi especulado para candidato a governador, passou a ser lembrado como excelente nome para o Senado e fala-se, também, que poderia concorrer à Câmara Federal. O futuro político do ministro depende de um sinal do presidente Jair Bolsonaro. É ele quem vai bater o martelo a esse respeito.